Adiado o Brexit, Boris Johnson convoca eleições gerais para 12 de Dezembro 2019
Após três tentativas frustradas, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, conseguiu aprovar na terça-feira (29) no Parlamento britânico a antecipação das eleições legislativas nacionais. A eleição estava programada para ocorrer originalmente só em 2022, mas Johnson conseguiu apoio parlamentar para antecipá-la para o dia 12 de dezembro de 2019.
“Precisamos de um novo Parlamento, para que possamos concluir o Brexit”, disse o premiê em suas redes, referindo-se à conclusão do processo de desligamento britânico da União Europeia, apelidado de Brexit (junção das palavras “British” e “exit”, ou “britânica” e “saída”, em português).
O Reino Unido faz parte da União Europeia desde 1973. A decisão de sair foi tomada em plebiscito, em 2016, mas, até agora, não foi levada a cabo. Divergências sobre a forma de realizar esse desligamento mantêm o debate empacado no Parlamento britânico há três anos. Johnson crê que a antecipação da eleição pode ser uma forma de finalmente concluir esse processo. O prazo final para o desligamento britânico era 31 de outubro. Agora, passou a ser 31 de janeiro de 2020.
Sociedade dividida. Parlamento, também.
A extensão da data limite do Brexit e a antecipação da eleição nacional são as formas encontradas pelos políticos para acomodar visões conflitantes de uma sociedade britânica que se descobriu completamente fragmentada em relação ao assunto.
A decisão de abandonar o bloco foi tomada por maioria apertada – 52% dos eleitores disseram “sim”, em 2016. Mas a aprovação não foi unânime em todos os países do Reino Unido. Enquanto a Inglaterra e o País de Gales apoiaram a retirada, a Escócia e a Irlanda do Norte se opuseram. Na soma dos votos, entretanto, prevaleceu a vontade de sair.
Hoje, 54% dos britânicos consideram que, uma vez tomada a decisão de separar-se da União Europeia, essa decisão precisa ser cumprida. Porém, se o plebiscito fosse repetido, apenas 44% dizem que votariam “sim” à retirada britânica do bloco.
Qual o cálculo de Johnson
Na visão do primeiro-ministro, o que vai acontecer é o seguinte: uma nova eleição servirá para lhe dar mais poder. O Partido Conservador, ao qual ele pertence, poderá ampliar o número de cadeiras no Parlamento, depois da deserção de 21 parlamentares em setembro.
Johnson, por esse raciocínio, terá a maioria absoluta dos votos num Parlamento reconfigurado – ou pelo menos terá melhores condições de compôr maioria com outros partidos menores –, e, assim, terá um mandato público renovado para fazer o Brexit a sua maneira.
A maneira de Johnson fazer o Brexit pode ser resumida numa frase: “do or die”, que significa “fazer ou morrer”. Para ele, os britânicos devem retirar-se da União Europeia com acordo ou sem acordo. Um acordo minimizaria as perdas econômicas para ambos os lados. Mas Johnson diz que essas perdas são contornáveis. O que ele não admite é tergiversar a respeito do resultado do plebiscito.
O risco de uma derrota conservadora
Johnson calcula para si o melhor dos mundos. Mas esse cálculo pode estar errado. Ao antecipar as eleições, existe a possibilidade de que o principal partido de oposição, o Partido Trabalhista (Labour), consiga melhor resultado do que o Partido Conservador, hoje no governo.
Se isso acontecer, o novo primeiro-ministro seria Jeremy Corbyn. O líder trabalhista tem um discurso ambíguo sobre o Brexit. Ele é um crítico da União Europeia em muitos sentidos. Porém, depois de a direita e de a extrema direita nacionalistas terem levado esse discurso a um paroxismo, Corbyn passou a moderar sua fala.
Ele não diz explicitamente defender um novo plebiscito sobre a saída britânica. “Permanecerei neutro e deixarei que o povo decida”, disse há um mês. A emissora pública britânica BBC afirma que Corbyn simplesmente “recusa-se a dizer se apoiaria ou não um futuro novo plebiscito sobre o Brexit”.
Em suas peças de campanha, que começaram a circular imediatamente após o anúncio da antecipação da eleição, Corbyn aparece dizendo: “Vamos lançar a maior campanha de empoderamento popular jamais vista neste país e neste movimento”, e promete “dar ao povo a palavra final para resolver o Brexit”.
Previsão de um ‘desfecho imprevisível’
O jornal britânico The Guardian considera a próxima eleição uma das mais “imprevisíveis” da história do Reino Unido. O cenário só começará a formar-se mais claramente ao longo da campanha eleitoral, programada para durar cinco semanas.
A média das pesquisas eleitorais colocam o Partido Conservador, de Johnson, dez pontos percentuais à frente do Partido Trabalhista, de Corbyn. Pode parecer muito, mas não é. Theresa May, antecessora de Johnson, tinha o dobro desse apoio quando assumiu o cargo, em julho de 2016. Além disso, o cenário hoje é considerado muito mais volátil, e os números podem mudar rapidamente.
Para aumentar suas chances, Johnson resolveu incorporar novamente ao Partido Conservador 10 dos 21 desertores das votações de setembro, como uma forma de reforçar o desempenho eleitoral no maior número possível de distritos.
Corbyn, por sua vez, adotou de vez o tom das mobilizações de massa e da campanha popular. Com vídeos virais ao som de rap e de guitarra elétrica, ele tenta conectar-se às milhares de pessoas que saíram às ruas de Londres recentemente reivindicando voz ativa nas discussões sobre um acordo de desligamento com a União Europeia.
Os demais partidos, menores, não têm chance nenhuma de conquistar maioria. Trabalhistas e conservadores alternam-se no controle do Parlamento desde 1922.
Como funciona a eleição
O Reino Unido é uma monarquia parlamentarista. A rainha Elizabeth 2ª é a chefe de Estado e o primeiro-ministro Boris Johnson é o atual chefe de governo. O Parlamento, por sua vez, é formado por uma Câmara Baixa (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) e uma Câmara Alta ou Câmara dos Lordes (equivalente ao Senado).
A Câmara Baixa – chamada genericamente de Parlamento – tem 650 assentos. Cada assento corresponde a um dos 650 distritos que compõem o Reino Unido, e cada parlamentar é escolhido pelos eleitores de seu respectivo distrito. Mas há um detalhe: apenas 643 dos 650 assentos de fato contam, pois 7 cadeiras pertencem a um partido separatista norte-irlandês chamado Sinn Fein, que nunca assumiu suas vagas.
O primeiro-ministro pertence ao partido mais votado ou à coligação de partidos mais votados. Ele assume para um mandato sem prazo de validade definido. Esse mandato pode ser interrompido a qualquer momento, em circunstâncias excepcionais. O caso mais comum de interrupção do mandato dá-se quando o premiê perde o apoio da maioria dos parlamentares.
Mas também pode acontecer – e este é o caso de Johnson agora – que o primeiro-ministro dissolva o Parlamento e antecipe as eleições para provar que tem poder popular suficiente para levar adiante propostas especialmente polêmicas na Casa. Se ele tem sucesso, assume um novo mandato revigorado e com uma maioria recomposta.
Texto de João Paulo Charleaux (publicada no Jornal Nexo)